A aparição da atriz em O Agente Secreto acontece de forma disruptiva, quase um "susto", como ela mesma confessou à Rolling Stone Brasil em entrevista exclusiva
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Após circular por várias cidades e festivais do Brasil e do mundo, incluindo a 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, O Agente Secreto, novo filme de Kleber Mendonça Filho (Retratos Fantasmas), finalmente chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 6 de novembro. E a Rolling Stone Brasil teve a oportunidade de conversar com Isadora Ruppert (Ainda Estou Aqui), atriz que interpreta Daniela, personagem que surge de forma surpreendente, mudando completamente o curso da história.
Em entrevista exclusiva, Isadora falou sobre carreira, infância, lembranças, a paixão pelo cinema, o trabalho com Kleber, a parceria em cena com a também jovem atriz Laura Lufési, a reação a O Agente Secreto no Festival de Cannes e como foi mergulhar no universo da Recife dos anos 1970, onde crime, carnaval e política se misturam. Confira a seguir o bate-papo na íntegra:
Gostaria que você começasse contando um pouco sobre sua relação com o cinema em geral. O que a motivou a ser atriz?
Sempre foi algo muito genuíno pra mim. Desde pequena, tive muito contato com o teatro: minha mãe sempre me levava a muitas peças infantis, e até uma companhia de teatro morou na minha casa durante alguns anos — a Companhia Carroça de Mamulengos. Vi muitos espetáculos deles ao longo da infância, muitas vezes dentro da minha própria casa.
Lembro de pedir muito, desde nova, para minha mãe me colocar no teatro. Comecei com seis anos. Então, pra mim, foi algo que sempre fez parte da minha vida. Mas foi na adolescência que decidi fazer faculdade de teatro e assumir que esse seria meu ganha-pão. O cinema veio um pouco depois. Eu comecei a ver muitos filmes na adolescência, na escola e com meus amigos — a gente ia ao cinema pelo menos uma vez por semana. E a vontade de fazer cinema começou a surgir aí; me dava uma vontade louca de estar dentro da tela também.
Havia algum filme que te dava medo na infância (ou até hoje), assim como Tubarão causa pesadelos no personagem Fernando [filho do personagem de Wagner Moura] em O Agente Secreto?
Havia três filmes que eu morria de medo quando era criança: Zathura, com a Kristen Stewart, O Chamado e A.I. – Inteligência Artificial, do Spielberg. Ver a Samara saindo da televisão em O Chamado foi muito impactante pra mim. Lembro de passar noites sem conseguir dormir sozinha. Eu vi esse filme escondida dos meus pais, então não contava pra eles, com medo de que ficassem chateados comigo.
Já A.I. me apavorava por outro motivo: o David ser abandonado pela mãe. Mas reassisti recentemente em um voo e foi uma experiência ótima — adorei.
Existe alguma sessão de cinema que te marcou profundamente? Pode ser de qualquer época da vida.
Tem várias sessões que me marcaram, é até difícil escolher. Com certeza, a de O Agente Secreto, em Cannes, foi uma catarse. Muito emocionante. Eu nunca tinha visto uma projeção e um som tão bons quanto na sala Lumière. E depois, as palmas… não tenho palavras. Foi lindo demais.
Também lembro de quando vi Relatos Selvagens, aos 15 anos. Saí estarrecida do cinema, foi tão impactante que fiquei horas andando de bicicleta antes de voltar pra casa — eram tantas informações que eu simplesmente não conseguia ir direto pra casa.
Recentemente, fui ao Babylon, em Berlim, e assisti Easy Rider, do Dennis Hopper, com uma amiga que não via há muitos anos. Fiquei muito emocionada de estar com ela naquele cinema lindo, e eu tinha acabado de chegar de Cannes, então foi ainda mais especial.
Qual era sua relação com o cinema do Kleber Mendonça Filho antes de O Agente Secreto? Já acompanhava o trabalho dele?
A primeira vez que vi um filme dele, Recife Frio, eu tinha 14 anos. Cheguei em casa encantada e não parava de falar pra minha mãe. Lembro que ela sentou comigo no computador e, juntas, pesquisamos quem era o diretor. Na época, lá em casa a gente tinha NET, e foi assim que acessei o NOW e descobrimos que todos os curtas do Kleber estavam disponíveis lá, na seção do Canal Brasil. Fiquei extasiada. Nunca esqueci aquele nome e comecei a acompanhar o trabalho dele de perto a partir dali.
Quando e como surgiu a oportunidade de participar de O Agente Secreto?
Fiquei sabendo que o filme estava em processo de casting no Carnaval de 2024, e eu estava no Recife, pulando Carnaval. Aquilo não saiu da minha cabeça. Quando cheguei ao Rio, pensei em como entrar em contato com a produção. Mandei um e-mail contando sobre minha vontade de participar do filme, e acabou rolando de fazer o teste. Eu sabia que precisava dar tudo de mim — chamei um grande amigo pra me ajudar a filmar a self-tape e, cinco semanas depois, fui aprovada.
Kleber é conhecido por criar sets colaborativos, em que o elenco participa ativamente das discussões sobre o roteiro. Que tipo de diálogo você teve com ele durante as filmagens?
Kleber é uma pessoa muito generosa e sempre disposta a te ouvir com carinho. Eu não o conhecia pessoalmente — nosso primeiro encontro foi no dia das filmagens. Ele me contou que havia gostado da self-tape que enviei e que sentiu que eu havia compreendido bem a cena. Durante a conversa, me falou um pouco mais sobre a personagem, que era historiadora, trabalhava numa universidade e era colega de trabalho da Flávia [personagem de Laura Lufési]. A partir daí, me senti à vontade pra propor ideias também. Fomos construindo juntos, eu sempre atenta às direções dele, deixando minha intuição me guiar. Tudo fluiu naturalmente.
Você já conhecia a Laura Lufési? Como foi construir essa parceria em cena?
Conheci a Laura durante a preparação de elenco com o Leo Lacca, por chamadas de Zoom. Ela é uma parceira incrível, ficamos amigas durante as filmagens, demos rolês por Recife, conversamos muito sobre a vida e fomos ganhando intimidade naturalmente. Acho que isso ajudou muito na construção da cena. Estávamos sempre muito atentas uma à outra, com a escuta aberta, deixando tudo fluir.
As personagens femininas do Kleber costumam ter uma presença fundamental. Como você definiria o papel da Daniela dentro desse universo?
Sinto que Daniela e Flávia têm um papel fundamental na trama ao debater e trazer luz à questão da memória e da preservação de arquivos no Brasil. Um país que não tem memória perde o rumo, porque não sabe de onde veio e pra onde deve ir. Acho muito interessante essa escolha do Kleber por duas meninas jovens, inquietas e curiosas, tentando entender o passado. Eu me identifico muito com isso. Além disso, o fato de serem jovens historiadoras reforça a presença e a importância das mulheres dentro do espaço acadêmico.
Onde e em quanto tempo foram gravadas suas cenas? Você chegou a visitar o set que recriava aquela Recife dos anos 1970?
Minhas cenas foram filmadas no Recife, na UFPE. Fiquei quatro dias na cidade por conta do filme. Assim que cheguei, fui direto pra prova de figurino e caracterização, onde foram filmadas algumas cenas do Edifício Ofir. Foi muito massa, porque conheci Hermila [Guedes], Wagner, Dona Tânia… Foi demais ver esses personagens de 1977 ganhando vida ali.
O filme se passa nos anos 1970. Se você pudesse levar algum figurino, acessório ou objeto de cena daquela época pra usar hoje, qual seria?
Eu levaria a camisa que o Marcelo [Wagner Moura] usa da Pitombeira de Olinda, porque sou louca pelo Carnaval de lá. E o toca-discos dele, que é a coisa mais linda.
Você é o tipo de pessoa que registra e preserva tudo, ou prefere viver o momento?
Venho de uma família que sempre foi muito cuidadosa com isso, então tenho muitos registros da infância, dos meus avós… E o que a gente não tinha, eu fui atrás — embora algumas coisas eu não tenha conseguido encontrar. Passei meses indo ao Arquivo Nacional, no Rio, em busca de documentos da minha família, que emigrou da Polônia por volta de 1930. Desse processo nasceu um filme de arquivo feito por mim. Pouco tempo depois, chegou a Daniela. Enxergo isso como uma coincidência bonita: em 2024 eu tive um contato muito intenso com arquivos, e de repente interpretei uma historiadora que lida justamente com isso.
A Daniela vive em um tempo distinto do Armando/Marcelo, interpretado por Wagner Moura. Como foi lidar com essa diferença temporal durante as filmagens? Conseguiu encontrar os outros atores?
Encontrei pouco os outros atores, porque minhas cenas eram só com a Laura. Mas sentia uma responsabilidade grande, porque sabia que seria um impacto pro público quando elas aparecessem no filme — algo que ninguém espera. Teve um dia em que fui fazer a prova de figurino e caracterização e estavam acontecendo cenas do Edifício Ofir. Foi quando conheci Wagner, Hermila, Dona Tânia, Robson Andrade… Foi massa demais ver todo mundo caracterizado, mergulhado naquele universo.
Quando assistiu ao filme pela primeira vez e se viu na tela, o que passou pela sua cabeça?
Foi uma experiência muito intensa e feliz estar ali em Cannes, no Teatro Lumière, com duas mil pessoas, a sala completamente lotada. Foi emocionante me ver na tela, cercada de pessoas que admiro imensamente. Logo que acabou a sessão, teve uma coletiva de imprensa, e eu me vi sentada ao lado do Kleber — eu simplesmente não acreditei.
E o que mais te impressionou em O Agente Secreto?
O que mais me impressionou no filme foi a reconstrução de época — impecável —, o elenco afiadíssimo, diverso, e essa identidade brasileira muito forte. É um filme corajoso e potente. A reflexão sobre o Brasil dos anos 1970 nos faz pensar no Brasil de hoje. E também a forma como o filme trata a violência entranhada na sociedade brasileira, muitas vezes usada pra resolução de conflitos — algo que, infelizmente, ainda é muito presente.
Você conseguiu acompanhar a reação do público, seja nas sessões internacionais ou no Brasil, às suas cenas?
Sim! Eu comecei a perceber o burburinho ainda em Cannes. À noite, nos bares, todo mundo falava sobre o filme — gente do mundo todo. Muitas pessoas me reconheciam. Foi chocante e lindo. Também vi o filme em Recife, no Cinema São Luiz, e foi incrível.
O público se identificava e ria de detalhes que talvez em Cannes passassem despercebidos. Foi lindo ver a reação das pessoas dentro do [cinema] São Luiz — uma metalinguagem linda, até porque o cinema é um personagem importante na trama. Muita gente comenta sobre a questão da memória e sobre a passagem de tempo no filme. As pessoas dizem: “Uau, fiquei impactado quando você aparece!”. É uma cena disruptiva, um susto — mas no bom sentido.
Existe alguém que você admira na vida assim como a Fátima, da Alice Carvalho, admirava o pai no filme?
A minha mãe é a minha maior heroína. Uma mulher ética, íntegra, muito inteligente, com pulsão de vida, que me ensinou a seguir meus sonhos. Ela é psicóloga, muito generosa e acolhedora. A gente tem uma relação muito forte.
Depois dessa experiência, o que você leva para si, tanto como artista quanto como pessoa?
Levo uma sensação boa de dever cumprido. É um filme que me contempla profundamente, tanto como artista quanto como pessoa. Fiz grandes amigos nesse processo. Sinto um orgulho imenso de ser brasileira, de fazer parte do nosso cinema e de poder contar uma história tão potente. Esse filme transformou minha vida e realizou sonhos antigos.
Depois de Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar, você aparece novamente em um filme brasileiro com grande repercussão internacional. Como enxerga esse início de carreira? Que tipo de escolhas deseja fazer daqui pra frente?
Fico muito feliz de ter tido a oportunidade de trabalhar com dois grandes diretores, Kleber e Walter. Sempre foi um sonho. Quando eu era adolescente, pensava: “Imagina se um dia eu faço um filme que vai pro Oscar?”. E aí, de repente, tudo aconteceu tão rápido. Em um mesmo ano, vi o Brasil ganhar o Oscar e vi um filme brasileiro ser o mais premiado em Cannes.
Mas a gente sabe que viver de arte no Brasil não é fácil. Mesmo com tudo isso acontecendo, seguimos na luta, criando nossas oportunidades, produzindo nossos projetos. Quero trabalhar — no teatro, no cinema, na televisão. Tenho vontade de fazer uma novela um dia, acho que seria uma experiência muito rica. Também sonho em fazer algo fora do país. Mas, acima de tudo, quero continuar sendo atriz, exercendo meu ofício com amor.
Kleber e Wagner são artistas muito politizados. Qual é a sua relação com a política? Você se vê — ou gostaria de ser vista — como uma artista politizada também?
Eu não tenho medo de me posicionar politicamente, de falar o que penso. Acredito que, se a gente enxerga a arte como algo capaz de transformar — e eu enxergo —, então estamos falando de política. Quero estar sempre do lado de quem provoca reflexão, de quem não aceita o mundo como está, de quem fala o que precisa ser dito pra que a sociedade avance. A arte tem o poder de questionar, de abrir diálogos e tocar as pessoas de maneiras que palavras sozinhas muitas vezes não conseguem. E isso é política.
Depois da passagem por festivais e agora com o lançamento nacional, que tipo de reação você espera do público brasileiro ao assistir O Agente Secreto?
Esse é um filme pra nós, brasileiros, assistirmos. Espero que o público sinta muito orgulho do nosso cinema de alto nível, que veja o filme nas grandes telas e se reconheça ali, porque é um filme muito nosso, profundamente brasileiro. Espero também que as pessoas saiam do cinema com vontade de ir pra um bar conversar e debater sobre tudo que o filme provoca.
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